A cárie dentária é uma doença multifatorial, influenciada pelos determinantes biológicos e sociais. Envolve um processo dinâmico de des/remineralização, guiado pelas bactérias do biofilme. É considerada uma doença sacarose dependente, “não transmissível” e
“comportamental” (Frencken., 2017).
O agente etiológico causador da doença cárie é o biofilme, composto por uma comunidade de microrganismos embebidos em uma matriz de polissacarídeos extracelulares, com potencial de atuar de forma protetora ou de levar ao desenvolvimento de doenças bucais quando ocorre a ruptura da homeostase, e não pela introdução de microorganismos exógenos ao meio bucal. Isto quer dizer que as bactérias formadoras do biofilme são habitantes naturais da cavidade bucal. Portanto, o controle de hábitos inadequados é a forma mais efetiva e segura de prevenção e tratamento, pois a cárie dentária ocorre à partir de uma mudança na ecologia do biofilme dental, impulsionada pela ingestão freqüente de carboidratos na dieta que
pode levar à disbiose da comunidade microbiana, ou seja um desequilíbrio ocasionado pela seleção de bactérias acidogênicas e tolerantes a ácidos (Tanner et al., 2018). O aumento na produção de ácidos orgânicos pelas bactérias determina baixa do pH e perda mineral da superfície dentária para o meio bucal resultando em lesão cariosa (Tanner et al., 2018).
Assim, agentes químicos (clorexidina e outros) podem ser administrados em situações específicas, evitando-se o uso prolongado para que não ocorra interferência nas propriedades benéficas da microbiota residente (Manji,Dahlen,Fejerskov 2018; Valm 2019). É importante destacar que Cárie dentária é o nome da doença e a lesão cariosa é a conseqüência da doença não controlada (Frencken., 2017). O primeiro estágio da lesão
observado clinicamente é o de mancha branca (sinal da doença), que pode evoluir para o estágio de cavidade. Em ambos os estágios (não cavitado e cavitado) as lesões podem ser interrompidas.
O biofilme é um pré-requisito para o desenvolvimento das lesões, mas os fatores determinantes influenciam no seu desenvolvimento. Os fatores envolvidos variam muito entre os indivíduos. Exemplos de variáveis: exposição ao flúor; horário; duração, freqüência e tipo de carboidrato consumido; qualidade da higienização dentária; flutuações na composição e fluxo salivar; composição dos biofilmes e contexto social do indivíduo.
O conhecimento desses fatores relacionados com a doença cárie é essencial para o diagnóstico e escolha do tratamento mais adequado de acordo com a necessidade de cada paciente, acesso à atenção odontológica e local de trabalho do profissional. No momento do exame, as lesões de cárie podem estar ausentes, mas mesmo assim o paciente pode apresentar risco de desenvolvimento da doença, se for portador de problemas de saúde, e estiver fazendo uso de medicamentos que determinam redução do fluxo salivar, entre outros. A presença de biofilme visível é indicativo de dieta cariogênica e escovação inadequada. Nesses casos, o risco é real e precisa ser controlado.
A filosofia contemporânea do manejo da cárie dentária recomenda sempre que possível o tratamento “não cirúrgico” das lesões de cárie (Mackenzie e Banerjee, 2017; Machiulskiene e Carvalho, 2018), e quando houver atividade de cárie o tratamento deve ser iniciado pela etapa de adequação do meio bucal, para posteriormente atender a necessidade restauradora, visando reabilitar anatomia e estética do elemento dentário. A restauração de
lesões cariosas não pode ser considerada como sinônimo de tratamento da doença cárie. Várias são as opções de tratamento: não invasivos (fluorterapia, diamino fluoreto de prata, escovação supervisionada e orientação de dieta alimentar), microinvasivos (selantes, infiltrantes), minimamente invasivos (tratamento restaurador atraumático, ultraconservador e capeamento pulpar indireto) e invasivos (exodontias, tratamentos endodônticos, restaurações convencionais).
Conforme recomendação do consenso internacional para o controle e manejo da cárie dentária (“International Caries Consensus Collaboration”, elaborado na Bélgica em 2015), em lesões profundas, a preservação da saúde pulpar deve seja priorizada, realizando-se remoção seletiva de tecido cariado e em lesões rasas ou médias, a longevidade da restauração se torna um fator importante (Banerjee et. al., 2017). O tratamento tradicional baseado nos sintomas e nas seqüelas da doença precisa ser gradualmente substituído por uma abordagem centrada nos fatores e variáveis que norteiam o seu desenvolvimento (Schwendicke et al., 2016), sempre com ênfase no controle do agente etiológico causador da doença: o biofilme.
Autora: Profa. Dra. Denise Stadler Wambier
Referências
1- Frencken J E. Atraumatic restorative treatment and minimal intervention dentistry. Br Dent J. 2017. Aug 11; 223(3):183-189.
2- Tanner A C R, Kressirer C A , Rothmiller S, JohanssonI , Chalmers N I. The Caries Microbiome: Implications for Reversing Dysbiosis.Adv Dent Res. 2018 Feb;29(1):78-85.
3-Manji F, Dahlen G , Fejerskov Ole. Caries and Periodontitis: Contesting the Conventional Wisdom on Their Aetiology. Caries Res. 2018; 52(6):548-564.
4-Valm A M. The structure of dental plaque microbial communities in the transition from health to dental caries and periodontal disease. J Mol Biol. 2019 Jul 26; 431(16): 2957–2969.
5-Mackenzie L , Banerjee A. Minimally invasive direct restorations: a practical guide. Br Dent J. 2017 Aug 11;223(3):163-171.
6- Machiulskiene V , Carvalho J C. Clinical Diagnosis of Dental Caries in the 21st Century: Introductory Paper – ORCA Saturday Afternoon Symposium. Caries Res. 2018;52(5):387-391.
7- Banerjee A, Frencken JE, Schwendicke F, Innes NPT. Contemporary operative caries management: consensus recommendations on minimally invasive caries removal. Br Dent J. 2017 Aug 11;223(3):215-222