Juliana Feltrin de Souza
Camila Maria Bullio Fragelli
Fabiano Jeremias
Rita de Cássia Loiola Cordeiro
Lourdes Santos-Pinto
O que é a Hipomineralização de Molares e Incisivos?
Nos últimos anos, temos observado com frequência nas crianças que atendemos nos consultórios a Hipomineralização de Molares e Incisivos (HMI) ou em inglês “Molar-Incisor Hypomineralization (MIH)”. A HMI foi definida por hipomineralização de origem sistêmica que afeta assimetricamente primeiros molares e incisivos permanentes.. Atualmente, sabe-se que a origem não é apenas sistêmica, mas há envolvimento de alterações genéticas também.
A HMI apresenta-se como um desafio clínico para o profissional, uma vez que a alteração na estrutura do dente têm inúmeras consequências clínicas tais como:
- fraturas logo após a irrupção dentária,
- sensibilidade exacerbada,
- maior risco à lesão cariosa,
- adesão deficiente e necessidade de mais retratamento restaurador,
- além dos fatores psicológicos do paciente e seu núcleo familiar como maior ansiedade odontológica e o impacto na qualidade de vida.
Assim, o objetivo desse artigo é trazer ao clínico algumas considerações importantes sobre a HMI a fim de orientá-lo no manejo desses defeitos bem como na orientação dos pais/responsáveis.
Quais as características clínicas?
Clinicamente, esse defeito de desenvolvimento do esmalte dentário apresenta-se com variados graus de severidade, os quais incluem:
- opacidades no esmalte, cuja colocação varia do branco, amarelo e marrom;
- perdas ou fraturas de estrutura do esmalte, com ou sem o envolvimento de dentina;
- restaurações atípicas, isto é, restaurações em superfícies dentárias de baixa prevalência de lesões cariosa, por exemplo, superfície lingual de primeiros molares permanentes;
A HMI acomete assimetricamente os primeiros molares permanentes, e frequentemente os incisivos, normalmente os molares são mais severamente afetados do que os incisivos. Para ser classificado como HMI, pelo menos um primeiro molar permanente deve estar afetado pela hipomineralização.
Sabe-se que quanto maior o número de molares afetados maior é o risco do envolvimento nos incisivos. Geralmente, a procura por atendimento é devido a preocupação com a estética dos incisivos ou queixa de bulling; e quando examinamos, os molares estão severamente comprometidos.
Figuras 1 – Presença de HMI severa, afetando os quatro primeiros molares e incisivos. Nos molares, presença de restaurações e lesão de cárie, enquanto nos incisivos presença de perda de estrutura com opacidade associada. Note que a perda/fratura de estrutura nos incisivos superiores apresenta aspecto clinico irregular, diferente da lesão de hipoplasia.
Como diferenciar a HMI dos demais defeitos de esmalte?
A HMI pode ser diferenciada da fluorose pois apresenta-se como opacidades demarcadas, há um limite bem definido entre a opacidade e o esmalte saudável, já a fluorose, apresenta manchas difusa e não há um limite definido entre a opacidade e o esmalte saudável (Figura 2). Em alguns casos, nota-se coincidência de ambos os defeitos (Figura 3).
Figura 2 – Incisivos afetados pela HMI, mostrando a lesão hipomineralizada demarcada, com limites definidos.
Figura 3 – Caso clínico mostrando a coincidência de defeitos de desenvolvimento do esmalte: Fluorose nos incisivos e HMI nos molares.
A HMI pode ser diferenciada da Amelogênese imperfeita do tipo hipomineralizada pois nessa última, há o envolvimento simétrico e afeta toda a dentição ou grupos de dentes (Figura 4).
Figura 4 – Amelogênese imperfeita do tipo hipomineralizada afetando grupos de dentes permanentes com características simétricas nos dentes homólogos.
A HMI pode ser diferenciada da hipoplasia de esmalte, já que na hipoplasia há menor espessura do esmalte e na HMI o defeito é qualitativo, ou seja, houve a formação de toda a espessura do esmalte, mas a translucidez foi alterada. Nos casos em que houver fraturas do esmalte hipomineralizado, esse pode ser diferenciado da hipoplasia pois apresenta bordas irregulares, diferentemente da hipoplasia cujas bordas são lisas.
O que causa a HMI?
Essa é uma das primeiras perguntas que os pais nos indaga. Infelizmente, a causa ainda não foi estabelecida, mas estudos mostram que alguns alterações na gestação e alterações sistêmicas que a criança tenha sofrido nos primeiros anos de vida podem estar associados à HMI. Os problemas mais comumente reportados são: problemas respiratórios, febre alta, prematuridade e baixo peso ao nascimento, dioxinas, uso de antibióticos, entre outros.
Uma revisão sistemática sobre os fatores associados à HMI sugere que a etiologia da HMI seja multifatorial e que os fatores ambientais atuam em sinergia influenciando a formação do esmalte dentário. Sabe-se que além dos eventos ambientais, a amelogênese pode ser influenciada por eventos moleculares envolvidos na migração celular, diferenciação celular, secreção proteica, os quais estão sob controle genético.
A HMI tem alguma relação com defeitos de desenvolvimento de esmalte em dentes decíduos?
Em estudo coorte prospectivo, Elfrink et al., (2015) observaram que crianças com hipomineralização de esmalte em molares decíduos apresentavam maior risco de ter a HMI e entre os fatores etiológicos encontrados estão o baixo peso ao nascimento e presença de febre durante os primeiros anos de vida.
Como se classifica a HMI?
A HMI pode ser classificada como leve, nos casos em que há opacidade demarcada ou severa quando há perda/fratura pós-eruptiva ou restaurações atípicas (Lygidakis et al., 2010).
Cuidados durante o exame clínico
Assim como todo paciente infantil, o controle do medo e ansiedade do paciente é fundamental para o sucesso no manejo dos pacientes com HMI. Durante o atendimento clínico devem se evitados procedimentos comuns como a aspiração pelo sugador ou jato de ar na superfície comprometida pois são capazes de desencadear sintomatologia dolorosa.
Quais os tratamentos disponíveis hoje?
O tratamento do paciente afetado pela HMI varia desde abordagens de prevenção, restauradoras até extrações de acordo com a severidade da HMI. A decisão da modalidade de tratamento a ser empregada é complexa e dependente de uma série de fatores relacionados ao paciente (Lygidakis et al., 2010). Dentre os fatores, devem ser considerados a extensão dos defeitos, a severidade dos mesmos, a idade do paciente, condições socioeconômicas, e suas expectativas.
O tratamento desses pacientes requer conhecimentos aplicados à Odontopediatria, aos materiais restauradores, e habilidade técnica do operador. Busca-se pelo tratamento mais conservador. Fragelli et al. (2015) tratando pacientes com HMI que apresentavam apenas opacidades observaram que o tratamento com verniz fluoretado aumenta a sobrevida das opacidades, diminuindo o risco de fratura. Ao fim de 12 meses, as opacidades se mantiveram intactas em 99% e 93% para incisivos e primeiros molares, respectivamente
Como a sensibilidade é alta nos dentes afetados pela HMI o controle da dor deve ser realizado mesmo para procedimentos pouco invasivos. Para técnica anestésica, indica-se o uso prévio de anestesia tópica com cremes anestésicos com lidocaína ou prilocaína de 2,5% a 10%.
Para pacientes que apresentam perda de parte de estrutura dentária, restaurações de Cimento de Ionômero de Vidro de alta viscosidade em primeiros molares afetados pela HMI apresentaram uma taxa de sucesso de 91,7% em 6 meses e 78% em 12 meses de acompanhamento (Fragelli et al, 2015) ,Na presença de fraturas, as resinas compostas são também indicadas e, um estudo clinico recente avaliou a taxa de sucesso de restaurações diretas de resina composta utilizando sistema adesivo convencional (condicionamento ácido total de 3 passos) e sistema simplificado (auto-condicionante, 2 passos) evidenciou que a taxa de sucesso foi de 54% das restaurações utilizando sistema adesivo convencional e de 68% das com sistema adesivo auto-condicionante após 3 anos de acompanhamento (de Souza et al., 2016).