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DEFINIÇÃO

Desgaste dentário erosivo é definido como um processo químico mecânico que resulta em uma perda cumulativa de tecido dentário duro, o qual não é causado por bactérias (Carvalho et al, 2015). Quando a superfície dentária é primeiramente atingida por ácidos, estes causam uma perda da integridade estrutural que deixa uma camada menos endurecida na superfície, tornando-a mais suscetível às forças abrasivas. Estas forças abrasivas removem esta camada mais amolecida do esmalte, causando perda substancial de tecido duro (Lussi e Carvalho, 2014).

 

PREVALÊNCIA

Estudos epidemiológicos sugerem que ou a prevalência do desgaste dentário erosivo está aumentando ou há um aumento da consciência desta ocorrência, principalmente, em adultos jovens e adolescentes (Holbrook et al, 2009). Atualmente, o desgaste dentário erosivo tem sido considerado um tópico de crescente interesse e preocupação na prática clínica diária, e a sua prevalência tem variado de 4 a 82% em adultos e de 10 a 80% em crianças (Jaeggi e Lussi, 2006; Taji e Seow, 2010).

A grande variação nos resultados dos estudos em diferentes países parece dever-se, principalmente, a diferenças nas populações estudadas, assim como a variações nos níveis de consumo de bebidas ácidas (Taji e Seow, 2010). Em crianças, a idade também parece ser um fator importante, uma vez que, quanto mais tempo o dente decíduo estiver exposto ao meio bucal, maiores os níveis de desgaste erosivo e mais facilmente esta alteração pode ser detectada (Taji e Seow, 2010).

Estudos epidemiológicos que investigaram o desgaste erosivo na dentição decídua são raros. Uma prevalência de 0,6% em crianças de até seis anos foi encontrada por Moimaz et al (2013) e de 13% em crianças entre 2 a 4 anos por Habib et al (2013). No Brasil alguns estudos da base populacional foram realizados, especialmente em adolescentes, a prevalência tem variado entre 7,2% até 38,2%. No entanto dados sobre a prevalência em dentes decíduos ou em adultos ainda é escassa.

 

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Lesão característica de desgaste erosivo, com aspecto de “vulcão”, que ocorre quando atinge dentina e esta é mais rapidamente desgastada que o esmalte subjacente.

 

DIAGNÓSTICO CLÍNICO E CLASSIFICAÇÃO

Com a diminuição da prevalência da doença cárie, e consequentemente a diminuição de perdas dentárias, um maior número de pessoas tem conservado seus dentes íntegros por um período maior. Estas superfícies dentárias acabam sendo expostas a diferentes agentes agressores, químicos e físicos, que podem contribuem para o desgaste dentário. Devido à característica multifatorial do desgaste dentário erosivo, o seu diagnóstico diferencial pressupõe que além do exame clínico, a anamnese e os hábitos dietéticos também sejam levados em conta (Carvalho et al, 2015).

Em geral, devido ao desgaste erosivo nos estágios iniciais, uma alteração pode ser observada nas propriedades ópticas do esmalte, com alteração no brilho. O esmalte se apresenta liso, polido, com aumento da translucidez incisal. Os sinais típicos em superfícies oclusais são escavação das cúspides, com aspecto de vulcão e achatamento. Num estágio avançado, toda a anatomia da superfície oclusal, seus sulcos, fissuras e fóssulas, podem ser perdidas, dando lugar a uma superfície escavada, lisa e brilhante. Nas superfícies lisas, ocorre a perda das periquimáceas e da rugosidade natural dos dentes anteriores principalmente, tornando a superfície lisa e brilhante. Um sinal característico é o contorno da margem gengival intacto, devido a proteção do fluido crevicular gengival contra a ação dos ácidos (Lussi, Jaeggi, 2008; Carvalho et al, 2015). Essas lesões podem ocorrer em dentes permanentes e decíduos, podendo também atingir o tecido dentinário.

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Dentes decíduos com desgaste dentário erosivo (Escore 2 e 3 do indice BEWE)

ETIOLOGIA

O primeiro passo para o desenvolvimento do desgaste dentário erosivo é a desmineralização ou amolecimento da superfície dentária pela ação de substâncias erosivas, ácidos de origem intrínseca ou extrínseca. Dentre os agentes extrínsecos podem-se citar alguns componentes dietéticos como bebidas industrializadas (refrigerantes, sucos, isotônicos e energéticos) e medicamentos com baixo pH (tabletes de vitamina C, formulações contendo ácido acetilsalicílico). O agente erosivo intrínseco principal é o suco gástrico, que pode atingir a cavidade oral devido à doença do refluxo gastroesofágico ou através de vômitos frequentes relacionados a problemas neurológicos ou distúrbios alimentares como a bulimia (Carvalho et al, 2015, Lussi e Carvalho, 2014).

Para determinar o potencial erosivo de uma bebida deve-se levar em conta a sua capacidade de dissolução, adesividade e conteúdo de Cálcio e Fosfato além do modo, frequência e momento de ingestão (Taji e Seow, 2010; Wang e Lussi, 2010).

A saliva também tem um papel protetor crucial no desenvolvimento do desgaste dentário erosivo. Além de diluir e remover as substâncias ácidas da cavidade oral, através da capacidade tampão neutraliza os ácidos, diminuindo a intensidade e duração do desafio erosivo in vivo. Qualquer alteração no fluxo salivar ou capacidade tampão, devido a doenças como Síndrome de Sjögren ou uso contínuo de medicamentos (antidepressivos, anti-hipertensivos) pode suprimir essa capacidade protetora da saliva e aumentar o risco do paciente apresentar lesões de desgaste erosivo (Carvalho et al, 2015, Lussi e Carvalho, 2014).

Figura: Diagrama representativo dos fatores etiológicos e associados ao desenvolvimento de desgaste dentário erosivo. (Lussi e Carvalho, 2014).

 

No diagrama abaixo estão representados os fatores etiológicos e associados ao desgaste dentário erosivo, ilustrando o aspecto multifatorial desta condição.

 

PREVENÇÃO

Uma vez diagnosticada a perda de tecido dentário duro, medidas de prevenção da continuidade do processo devem ser estabelecidas. Métodos convencionais de prevenção incluem avaliação da dieta e restrição do contato com comidas e bebidas ácidas, educação das crianças e dos pais, e otimização do mecanismo protetor da saliva. Entretanto, o sucesso desses métodos depende da aceitabilidade e do comprometimento do paciente e dos seus responsáveis. Assim, métodos de prevenção que atuem através de produtos aplicados diretamente à estrutura dentária estão sendo estudados (Taji e Seow, 2010). Diferentes formulações de fluoretos (mono ou polivalentes), e diferentes veículos como dentifrícios, colutórios para uso diário pelo paciente; soluções, vernizes e géis para aplicação profissional têm sido estudados em busca de uma melhor e mais efetiva ação preventiva contra a erosão e o desgaste dentário erosivo.

A escovação dentária adequada não é prejudicial à superfície dentária sadia, porém após exposição a ácidos, a superfície dentária amolecida fica mais vulnerável as forças abrasivas da escovação. Porém, uma vez que o esmalte não é remineralizado pela saliva num curto período de tempo, ele será desgastado mesmo na ausência de escovação, pela ação dos tecidos moles (língua, bochecha). Deste modo, adiar a escovação após ingerir produtos ácidos não é uma medida preventiva efetiva, especialmente porque a escovação serve como veículo para os fluoretos agirem na prevenção tanto da cárie quanto no desgaste erosivo (Lussi e Carvalho, 204; Carvalho et al, 2015).

DENTIFRÍCIOS E DESGASTE DENTÁRIO EROSIVO

O principal objetivo dos ingredientes ativos dos dentifrícios é aumentar a resistência da película adquirida e da estrutura dentária frente ao desafio erosivo. O principal problema no uso dos dentifrícios está na sua ação abrasiva, desejável para adequada remoção de biofilme e limpeza da superfície dentária, mas que pode se sobrepor à ação preventiva dos ingredientes ativos. Os efeitos preventivos idealmente devem ocorrer sem nenhum efeito colateral, e o dentifrício deve ser de uso fácil, sendo um requisito fundamental para a adesão ao tratamento preventivo diário (Huysmans et al, 2014).

Os dentifrícios convencionais a base de fluoreto de sódio apresentaram desde nenhum efeito preventivo até 37% mais proteção em esmalte e de nenhum a 32% mais proteção em dentina, quando comparado ao dentifrício placebo sem adição de fluoretos (CARVALHO et al, 2014).

Alguns íons metálicos polivalentes como estanho e fluoreto de amina foram capazes de produzir precipitados mais resistentes aos desafios ácidos na superfície dentária. Dentifrícios contendo fluoreto de estanho, mostraram uma redução na perda de superfície variando de 55% a 95% quando comparados a dentifrícios não fluoretados, embora este efeito diminua quando desafios abrasivos através da escovação foram associados (Ganss et al, 2014; Carvalho et al, 2014). Alguns pacientes se queixam do gosto metálico de dentifrícios com estanho, sendo um fator que limita o uso contínuo, principalmente em crianças e adolescentes, mais acostumados com dentifrícios de sabores agradáveis que estimulam o seu uso (Ganss et al, 2014).

 

DIFERENÇAS ENTRE DENTES PERMANENTES E DECÍDUOS

Além das diferenças anatômicas entre dentes permanentes e decíduos, os quais são menores e com uma camada significativamente mais fina de esmalte, diferenças histológicas podem influenciar a susceptibilidade a dissolução por ácidos e consequentemente levar a diferentes padrões de desgaste dentário erosivo (Carvalho et al, 2014).

Estudos epidemiológicos demonstraram que os dentes decíduos possuem menor resistência ao desgaste que os permanentes (Kreulen et al, 2010). Esse fato sugere que diversos fatores contribuem para o desgaste erosivo in vivo e não foram completamente reproduzidos em estudos laboratoriais (Carvalho et al, 2014).

 

Autora: Cristiane Assunção

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